A inconveniência das doações eleitorais por empresas

As eleições 2012 acabaram. Fora algumas pendências judiciais localizadas, os prefeitos e vereadores de todos os municípios brasileiros foram escolhidos e empossados.

Em muitos lugares, entretanto, o resultado eleitoral pode não ter sido alcançado da forma mais democrática. É que assistimos outra vez ao festival de doações feitas por empresas diretamente interessadas no resultado do pleito.

Empreiteiras, bancos e a indústria da mineração figuram sempre entre os maiores doadores. Todas têm em comum o fato de manterem relações estreitas com o Poder Público, cujas opções políticas e contratos definirão quem lucrará mais.

Segundo dados da Folha de S. Paulo (edição de 29.11.2012), apenas três empreiteiras investiram R$ 151,7 milhões dos R$ 637,3 milhões recebidos pelas siglas. Trata-se de dinheiro doado diretamente aos partidos e que não se pode saber ao certo a que candidatos beneficiaram. Essa manobra é conhecida como “doação oculta”, já que priva os eleitores de saberem, antes do pleito, quem fora auxiliado pelas empreiteiras ao longo da campanha.

Nesse campo, o setor privado não é tão privado assim. Em lugar de se voltar à regulação, à prestação de serviços públicos e à elaboração de políticas de inclusão, o Estado se converte no principal provedor de empresas milionárias, recompensando-as por seus “serviços eleitorais” por meio de licitações fraudulentas ou da contaminação das decisões do Parlamento ou do Executivo.

O certo é que o dinheiro é decisivo para o alcance dos resultados eleitorais positivos. Estudo de Leany Barreiro Lemos, Daniel Marcelino e João Henrique Pederiva, analisando as disputas para a Câmara dos Deputados e para o Senado nos anos de 2002 e 2006 concluiu que “os candidatos vencedores gastaram, em média, cinco vezes mais do que os adversários” (“Porque dinheiro importa: a dinâmica das contribuições eleitorais para o Congresso Nacional em 2002 e 2006. Revista Opinião Publica”).

Isso significa, em linguagem clara, que o volume de doações impacta decisivamente os resultados eleitorais. Daí que a conquista dos grandes doadores pode ser a diferença entre a vitória e a derrota no pleito. E o pior é que, uma vez eleito, o beneficiário se sentirá obrigado a atender bem o seu doador. Assim pode ter esperança de voltar a ser ajudado nas eleições seguintes.

O resultado dessa relação é perverso e foi recentemente demonstrado em pesquisa realizada por Taylor C. Boas, F. Daniel Hidalgo and Neal P. Richardson, da Universidade do Texas: cada real doado ao longo das campanhas retorna às empresas doadoras multiplicado por 8,5.

Segundo os autores, “ao doarem para candidatos aptos a vencer as eleições, empresas brasileiras que prestam serviços ao poder público podem aumentar o valor recebido em virtude dos contratos com o governo durante o período legislativo subsequente. A extensão deste impulso nas empresas que atuam setor público – pelo menos 8,5 vezes o valor doado e possivelmente mais se for considerado todo o período do mandato, além do nosso intervalo de pesquisa de 33 meses – mantém relação com a taxa de propina que as empresas informam terem oferecido a políticos para a obtenção de contratos no passado. Neste sentido, os nossos resultados confirmam a sabedoria convencional de longa existência no Brasil. Segundo nosso conhecimento, no entanto, este estudo é o primeiro a demonstrar que o jogo da doações-por-contratos no Brasil se estende além dos incidentes bem divulgados que foram descobertos por investigações policiais e comissões parlamentares de inquérito. Para cada empresa e político pego em flagrante, há muitos mais, cujo conluio voa sob a tela do radar. Usar doações de campanha para comprar contratos de obras públicas faz – infelizmente, mas, provavelmente, não surpreendentemente – parte integrante da democracia brasileira” (The spoils of victory: campaign donations and government contracts in Brasil. Hellen Kellog Institute for International Studies).

Muitos outros estudos nos ajudam a compreender essa conta que não fecha para a sociedade. Mas uma coisa podemos desde logo concluir: democracia não é isso. O objetivo das empresas é o lucro e essa essa meta de forma alguma é esquecida durante as campanhas.

Além dessas razões práticas, há razões constitucionais claras para se proibir doações com essa origem. Recentemente, a ministra Cármen Lúcia, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, afirmou que “não há por que empresa fazer financiamento de campanhas. Esse é um dado que precisa mesmo ficar às claras. Pessoa jurídica não deveria contribuir, porque não é cidadão”.

Com efeito, tramita no Supremo Tribunal Federal ação direita de inconstitucionalidade movida pela Ordem dos Advogados do Brasil em que se busca justamente a abolição da intromissão das empresas no financiamento das campanhas.

De qualquer modo, não haverá uma Reforma Política real sem a superação das graves distorções provocadas pelas doações por pessoas jurídicas. Precisamos, país, superar essa etapa que, ante os olhos da sociedade, já não mais possui qualquer justificativa.

Márlon Reis é juiz de direito no Maranhão e cofundador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral – MCCE

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