Movimentos veem retrocesso no combate à corrupção no país

Movimentos veem retrocesso no combate à corrupção no país

Ações empreendidas em diversos Poderes causam preocupações e geram alerta internacional

 

Por Thaís Mota em O TEMPO

Decisões recentes do Executivo, tentativas do Congresso Nacional de alterar leis que tratam de abuso de autoridade, responsabilização de agentes públicos e foro privilegiado e, posicionamentos do Judiciário em determinados casos acenderam o alerta de movimentos de combate à corrupção e instituições internacionais. Alguns falam em retrocesso dessa pauta no Brasil, especialmente nos últimos anos.

Assim pensa o procurador do Ministério Público de São Paulo e idealizador do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac), Roberto Livianu. Segundo ele, esse movimento de recuo sempre existiu, mas após o início da operação Lava Jato, ele acredita que a reação foi maior. Entre os pontos que cita como preocupantes por ele estão, por exemplo, o fim da força-tarefa da Lava Jato, o uso da lei contra abuso de autoridade, as propostas de mudanças na lei de improbidade administrativa, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que amplia a imunidade parlamentar, e a medida provisória assinada no ano passado pelo presidente Jair Bolsonaro que impedia a responsabilização de agente público durante a pandemia.

Diretor executivo da Transparência Internacional Brasil, Bruno Brandão aponta para um período mais recente. Segundo ele, a partir de 2019, há uma crescente preocupação com o posicionamento do país em relação ao combate à corrupção.

“Tem ocorrido um processo de deterioração do ambiente democrático e institucional por ações empreendidas por autoridades e grupos de interesse. São, em linhas gerais, interferências verificadas em todos os Poderes, tanto entre si quanto em relação a órgãos que os compõem internamente; processos de desmonte de estruturas e operações anticorrupção; e uma atuação casuística de mandatários para beneficiar aliados políticos, parentes e interesses particulares. São ações que afastam o interesse público, violam normas nacionais e compromissos internacionais e ferem a democracia brasileira”, afirma.

No final do ano passado, a Transparência Internacional publicou dois relatórios apontando que o Brasil passava por uma “progressiva deterioração do arcabouço institucional anticorrupção no país”. Esses relatórios serviram para subsidiar uma medida inédita da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – da qual o Brasil busca fazer parte – de criar um grupo para avaliar a situação do país.

Essa visão de retrocesso, porém, não é unanimidade. Para o diretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Melillo Dinis, os relatórios da Transparência Internacional são importantes para que o país avance na discussão sobre o tema, mas apontam para fatores conjunturais da pauta anticorrupção que, estruturalmente, tem tido significativos avanços nas últimas décadas.

“Esse tipo de avaliação é sempre conjuntural, enquanto o combate à corrupção é um desafio estrutural. Então, apesar da seriedade do que está sendo dito pelas organizações e pela própria OCDE, temos que analisar que o Brasil no século 21 avançou muito no combate à corrupção. Um exemplo é a Lei da Ficha Limpa”, disse.

Para ele, o fim da força-tarefa da Lava Jato não significa necessariamente um retrocesso dos instrumentos de investigação. “Impacta no quê? Havia mais combate à corrupção com a força-tarefa ou havia mais visibilidade das atividades de controle e combate à corrupção? Porque se essencialmente estamos discutindo o combate à corrupção, a força-tarefa da Lava Jato é apenas um dos elementos”.

Avanços em períodos anteriores

Mesmo entre os que se dizem preocupados com o momento atual vivido pelo país no combate à corrupção, é praticamente unanimidade entre os especialistas no tema que o Brasil registrou grandes e importantes avanços nas últimas décadas, especialmente após a Constituição de 1988. 

Além da Lei da Ficha Limpa, o diretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Melillo Dinis, também citou o fim do financiamento empresarial de campanhas eleitorais no país e a lei anticorrupção. “A lei anticorrupção de 2013, que entrou em vigência em 2014, é uma das leis mais avançadas do mundo sobre o tema da corrupção empresarial. É excepcional”, destacou.

Ele destacou ainda a evolução das instituições no tratamento do tema. “Não podemos desconsiderar os avanços institucionais. O Ministério Público está melhor aparelhado para isso e as regras ficaram mais claras para evitar algum tipo de nulidade das investigações por conta da arbitrariedade”, avalia.

Também nesse sentido, Roberto Livianu, do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac) destaca inúmeros avanços, como a lei de improbidade administrativa, a Lei de Acesso à Informação, a convenção da ONU assinada em 2003, a convenção da OCDE de 1997 e a Lei das Estatais.

Recuo pode até isolar o Brasil no mundo

O recuo do Brasil na pauta anticorrupção pode levar o país a pagar um preço alto, especialmente no cenário internacional. Além da vaga na OCDE, que está em jogo, o país pode sofrer sanções com impacto severo na economia.

“Ninguém vive sozinho, é autossuficiente, e vamos precisar de investimento externo. E para isso tem que se fazer a lição de casa. Ter um sistema rigoroso que funcione bem no combate à corrupção, na repressão à lavagem de dinheiro, na repressão ao crime do colarinho branco. Isso pode impactar no sentido de o Brasil não ser admitido na OCDE. Em segundo lugar, pode ser muito grave no sentido de termos pedidos de financiamento e pretensões de investimentos externos negados, ou seja, problemas de finanças, de obtenção de financiamento.”, avalia Roberto Livianu.

Bruno Brandão diz que o Brasil pode até ser excluído do sistema bancário internacional. “Sanções da OCDE e de outros organismos que monitoram o descumprimento de compromissos internacionais anticorrupção podem resultar em graves consequências políticas, como o isolamento do país por vetos à adesão ou até expulsão de organismos multilaterais, e consequências econômicas, como a inserção do país na lista de nações não colaborativas, o que resulta em maiores custos de transação e redução de investimentos, e podem chegar à exclusão do país do sistema bancário internacional”, disse.

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